Artigo

"Versos adversos"

Por Paulo Rosa
Autor de Andar Térreo e Rotas Psicanalíticas
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O compositor mineiro Thiago Perdigão acaba de publicar novo livro de poemas, Versos adversos. Radicado em Pelotas, tendo cursado na UFPel composição musical e mestrado em Filosofia, Thiago é um multi-instrumentista que se dedica ainda à regência e também à literatura, tendo outros seis livros já publicados.  

Na presente obra ele concentra mais de dez anos de produção, abordando, como lhe é próprio, temas, na maioria, espinhosos, esses que exigem atenção permanente, caso desejemos razoável vida.

Comento hoje o livro que dá o nome geral à obra. O autor usa como epígrafe a citação de Paul Valéry: 'o primeiro movimento de uns é consultar os livros; o primeiro movimento de outros é olhar as coisas'. Se bem entendo o que quer ressaltar é que devemos iniciar sempre por olhar cuidadosamente as coisas, no possível sem julgamentos apressados ou ideias pré-concebidas, de modo a nos aproximarmos ao máximo do que nos cerca, na expectativa de algo pescarmos do que está ao redor. Recomendação poética das mais valiosas.

O poema a seguir resulta caro para um psicólogo: "Não quereis pela palavra ser / Mais do que ela permite. // Na escrita há um limite / Além do qual nada pode transparecer / (Onde aquele que escreveu / Pela palavra se sacrificou): / Fatal é que se perca a identidade. // Nestas palavras onde está meu "eu"? / Há muito já se perdeu". Creio que aqui o poeta assinala uma espécie de barreira que a palavra - e mais ainda a falta dela - representa para a expressão do próprio eu. O maior empobrecimento de palavras consolida o pior aprisionamento do eu. Sim, daqui decorre toda uma postura sócio-política que irá valorizar ao extremo o processo educacional, cuja resultante final se define pela liberdade do eu através da disponibilidade do maior número possível de palavras. Por certo, palavras, se consistentes, aquelas que melhor expressam aquilo que o eu deseja, propriamente, dizer. Não há escapatória, a cada passo do existir, uma armadilha. A real palavra de cada momento representará liberdade ou prisão. Vacilante, incerto, o eu percorrerá arriscado caminho. A poesia abre veredas aos psicoterapeutas e seus pacientes.

Adiante, diz: "O que mais se poderia querer / além de a si mesmo ter? / Por que é da união das misérias / Que surgem as perfeições etéreas? // Quem disse que a vida / Suporta os prazeres que cria? // Por que a arte bebe na nascente / Da criação incessante e inconsequente?... É por perguntas que não se conhecem / Que eu a mim mesmo conheço". O autor valoriza perguntas, o que, me parece, fortalece a poesia e abre melhor caminho à incerteza própria do viver. Também aqui põe ele em relevo as tensões da relação de si com o próprio eu, culminando, a seguir, com o verso: "Cria a ti mesmo, / Sê teu próprio criador: / Disciplina teu espírito, / Aumenta teu próprio amor". É Thiago em sintonia com F. Pessoa, que disse: "Sê teu filho".
Companhia pessoana, um plus.


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